27 junho 2006

TUDO ERRADO

Este não é um texto sobre o amor. É um texto sobre uma cidadã que já amou demais. Uma cidadã que faz tudo errado. Que se desconserta quando alguém fala que gosta dela. Que é contraditória por natureza. Que fala a verdade quando deveria mentir. Que diz que é fiel aos seus sentimentos mas não entende nada sobre fidelidade. Que gosta de um cara mas sai com outro sábado à noite. Que quer se matar por dar end no cidadão que ela mais quer quando ele liga e ela está com outro. Que já largou um cara dentro do cinema sozinho e nunca mais voltou. Que já saiu de casa às duas da manhã numa terça-feira fria. Que já viajou 400km só pra falar pra um imbecil que ela o amava - e ele disse que já tinha outra. Que já chorou por um homem. Que já chorou por alguns homens. Que não tem vergonha de falar o que sente. Uma cidadã cujo sorriso entrega suas emoções. Cujos lábios movem quando ela pensa. E cujos olhos não a deixam mentir.

Uma cidadã que odeia tomate. Odeia beterraba. Odeia quando tem que esperar alguém ligar. Odeia mais ainda quando esse alguém não liga. Odeia os homens que têm namorada e ficam ligando pra ela (qualé?!). Uma cidadã que adora chocolate. Adora morar sozinha. Adora sua própria companhia. Adora não ter mais idade pra brincar de polícia-e-ladrão. Pra fazer joguinho. Adora já ter passado da fase de fingir que ela não está afim quando está.

Só que essa cidadã faz tudo errado. Ela diz por aí que quer namorar. Mas se esquiva quando seus casos começam a ficar sérios. E só se envolve com os “não-namoráveis”. Os mais galinhas. Os mais baladeiros. E anda dispensando todos os caras com quem ela poderia pensar em fazer planos. Talvez porque, lá no fundo, ela goste de ser solteira. De poder escolher com quem ela vai sair no final de semana. Talvez ela queira ligar praquele cara bacana no meio do show do Rappa. Talvez porque ela ache que sair e conhecer novas pessoas seja uma coisa bacana. E porque ela ainda não encontrou alguém que faça valer a pena largar tudo isso pra se comprometer a um cara só.

Talvez porque ela goste de chegar em casa sozinha. Tirar suas roupas e se jogar em cima da cama. Poder deixar tudo espalhado. Tomar banho de porta aberta. Reservar-se o direito de não atender o telefone fixo. Assistir ao canal de TV que ela bem entender. Ficar na internet por quantas horas achar conveniente. Dar end no celular de acordo com seu humor. Ir e vir de onde ela bem entender. À hora que ela bem entender. E com quem ela bem entender. Talvez ela até goste de comer miojo quando tem preguiça de sair pra almoçar nos finais de semana. E talvez ela prefira a companhia do seu passarinho na sua cama. Talvez tudo isso seja verdade. E talvez tudo isso passe. Mas fato é que a cidadã não vai abrir mão disso por pouca coisa. E que ela não troca suas tardes de domingo sozinha por tardes de domingo em companhia errada.

Fato é que a cidadã não quer alguém pra chamar de namorado. Ela quer um alguém que ainda não encontrou. E o dia que ela encontrar, ela não vai deixar esse alguém escapar por nada deste mundo. Porque essa cidadã sabe o que é perder o cara que é o amor da sua vida. Sabe o que é fazer tudo errado sempre. Mas, mesmo assim, ela não tem medo de começar tudo de novo. De tentar outra vez. De viajar mais 800km pra dizer, mais uma vez, que ama. E essa cidadã só quer viver de novo aquilo que ela conhece muito bem. Amar. Incondicionalmente. Viver incondicionalmente. Viver sem fazer planos. Sem querer prever o futuro. Estar do lado de alguém que é o mundo pra ela. Estar do lado da pessoa certa. Aquela única pessoa com quem ela gostaria de estar. Alguém que conhece todos os seus medos. Todos os seus sonhos. Que sonha junto com ela. Alguém por quem ela abriria mão de todas as maravilhas da vida de solteira. E por quem ela acredita que vai fazer tudo certo um dia.

20 junho 2006

PÁRA TUDO

Aquele surfista me parou. Me segurou pelo braço. Me encostou na parede. Deixou minhas pernas bambas. Meu coração disparado. Parou meu mundo por um segundo. Com aquela pele bronzeada. Aquele cabelo loiro atrapalhado. Aqueles olhos cor de mel. Aquela boca com gosto de “te quero”. E aqueles braços fortes pedindo “me beija”. Aquele sorriso de um lado só da boca. Meio tímido, meio tarado. E completamente apaixonante.

Bastou um olhar pra eu achar que ele valia a pena. Não era um olhar qualquer. Era aquele olhar que me arrancava a roupa em pensamento. Sem pudor. Em público. Estático. Um olhar que me deixou seca. Que me tirou do prumo. Que fez eu esquecer que nós dois estávamos respectivamente acompanhados. Fez eu lembrar que eu preciso da emoção. Do desafio. De alguém pra quem olhar e pensar: é você que eu quero agora. Preciso ter você pra mim.

E aquele surfista era a materialização de tudo que eu queria. Aquela cara de mau, aquele olhar de menino. Definitivamente, não era o genro que minha mãe pediu a Deus. Mas certamente era o cara que minhas amigas pediriam emprestado se eu o tivesse pra mim. Se eu o tivesse. Por mais de um segundo. Por mais do que aquelas noites breves. Por mais do que aquelas conversas virtuais. Aqueles papos infindáveis na webcam. Eu até aprenderia a surfar. Trocaria meu bronzeado-de-piscina-da-capital-longe-da-praia pela cor dourada das ondas do mar. Trocaria meus músculos esculpidos a ferro na academia pelo corpo sarado bailando em cima da prancha. Trocaria os dias cinzas na metrópole pelo pôr-do-sol na beira do mar. Pelo céu azul de lápis de cor. Trocaria todas as minhas neuroses, minhas dores de cabeça, meus problemas existenciais por aquele surfista na areia da praia. E minha maior preocupação seria com o tamanho das ondas. Com o Sol. A Lua. A chuva. As nuvens. E as estrelas. E tudo mais que se classifique como fenômeno da natureza.

Mas, sem dúvida, aquele surfista é o maior de todos os fenômenos. Um eclipse na minha vida que só acontece de tempos em tempos. E que ganha matéria de capa. Primeira página. Rouba a cena. E me rouba de onde eu estiver. Me faz largar tudo. Jogar tudo pro alto. Porque ele é um espetáculo à parte. E me tem sentada na primeira fila. Ali. Babando. Rindo com aquela cara boba quando ele me chama de linda. Ficando com as bochechas rosadas quando ele diz que me quer. Sentindo um arrepio na espinha quando ele fala que vai me agarrar.

Faz isso. Me agarra. Me joga em cima dessa prancha sua. Me leva pra alto mar. Me tira o fôlego e me faz respiração boca-a-boca. Se não souber, eu te ensino. E você me ensina a surfar. A gente tem mesmo muito o que aprender um com o outro. Somos de mundos diferentes. O Sol e a Lua. O garoto da praia e a patricinha urbana. O garoto do mundo e a menina da capital. Suas havaianas e meu salto agulha. Seus cabelos que nasceram loiros e os meus que se tornaram Loiro-Mel 7.2 Excellence. Sua prancha de surfe e meu celular a tiracolo. Suas bermudas floridas e minhas calças jeans. Seu jeito leve de viver a vida e minha correria do dia-a-dia. Suas manhãs na praia e minhas noites na internet. O surfista e a marombeira.

Foge comigo pra uma ilha deserta?

12 junho 2006

NÃO MANDA MAIS

To ficando com preguiça de você. Do seu papo de playboy e das baladas que você freqüenta. Dos seus telefonemas quando você não tem nada pra fazer terça-feira à noite. Das suas mensagens de madrugada. De você achar que eu sou um corpo. Já disse que sou mais do que isso, mas repito quantas vezes precisar. Já te disse que não sou estepe. Então, não me trate como segunda opção. Como uma qualquer. Não me trate como se não soubesse o que quer de mim. Dos meus abraços. Do meu carinho.

Me trate como uma princesa. Como na primeira vez que nos vimos. Me queira. Ou, pelo menos, me trate como se me quisesse. Me queira do seu lado. De dia ou de noite, tanto faz. Só não sou mulher de fim de noite. De me entregar pra qualquer um. Me chame de boneca, mas me chame. Não me deixe esperando você ligar. Não me deixe esperando você chegar. Só venha quando quiser me encontrar.

Poupe seu esforço de fingir que sente algum carinho por mim. Prefiro as coisas bem claras. Se quer só meu corpo, tudo bem. Pegue a senha e entre na fila. Se quiser meu coração, faça por merecer. Me conquiste. Tenha mais atitudes sinceras do que palavras bonitas. Prefiro que você seja mais presente e que me compre menos presentes. Prefiro que você seja você mesmo, assim, tolo, e que não finja ser alguém que não é. Prefiro morrer de rir com suas piadas infames do que me impressionar com seu linguajar culto.

Esqueço que gosto de abdomens sarados, de braços bem definidos, de coxas de jogador de futebol. Porque, pra mim, você é muito mais do que um corpo em evidência. Muito mais do que esse seu cabelo macio. Do que essa pele lisinha. Essas mãos quentes. Essa boca gostosa. Esse olhar que me despe. Muito mais do que as marcas famosas que você veste. Do que o carro que você dirige. Que esses seus óculos de ir pra trance que custaram o olho da cara.

Preguiça profunda dessa sua mania de achar que é o único na minha vida. Que tem exclusividade sem sequer me dar alguma garantia. Quer saber? Não me pergunte se sou só sua se não quer me ver mentir. Pergunte se te quero e não vou gaguejar. Ao contrário do que você pensa, eu sei muito bem o que quero pra mim. Quero você. Mas não aceito migalhas. Não quero o que restou de você no fim da noite. A sobra da sua carência noturna. Quero ter prioridade. Quero fazer a diferença. Quero garantia de que alguma coisa vai dar certo. Mas você faz tudo errado. Me trata como se eu fosse só mais uma na sua vida (ou talvez eu seja, realmente). Me liga quando esgotaram-se todas as suas possibilidades na noite. Mente pra mim com a cara mais deslavada. Some e aparece como quem tem a certeza de que eu ainda vou estar no mesmo lugar. Te esperando. Me procura com a certeza de que vai me encontrar. Me liga sabendo que vou te atender. Mas, sabe de uma coisa? Cansei. Vou procurar minha turma. Vou me divertir com as bocas certas. Me deitar em outros colos. Sentir outros abraços. Você não manda mais aqui. E sabe o que mais? Ou eu sou a número um na sua vida, ou nem quero fazer parte dela.


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P.S.: Devo lembrar que os textos publicados aqui são obras de ficção. Ainda assim, qualquer semelhança com a realidade não terá sido mera coincidência.